Iluminação artificial racional para o Desenvolvimento Sustentável

O trabalho de minimização da poluição luminosa vai de encontro a vários dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU, http://www.agenda2030.com.br/), entre os quais destacamos:

Como impacta no ciclo circadiano de plantas e animais, inclusive aqueles responsáveis por processos de polinização, a poluição luminosa também tem efeitos na produção de alimentos. O uso equilibrado da iluminação artificial tem que ser peça fundamental na busca por um equilíbrio ambiental que permita a manutenção da biodiversidade e a sustentabilidade alimentar de todos os seres humanos. 

A poluição luminosa tem impactos em todos os aspectos da nossa existência: na saúde, no meio ambiente e na economia. Afeta a nossa saúde principalmente ao alterar o ciclo circadiano, o que tem sido associado ao aumento do surgimento e desenvolvimento de certos tipos de câncer, além do crescimento da incidência de diabetes, obesidade e depressão (STEVENS et al., 2007, p. 1357). A iluminação artificial inapropriada atrai vetores de doenças que podem vir a ser potencialmente nocivas aos seres humanos (por exemplo, BARGHINI, DE MEDEIROS, 2010; KHAN et al., 2020).

No contexto de uma iniciativa mais ampla e interdisciplinar para engajar diferentes públicos na conscientização sobre a poluição luminosa está incluída a tarefa de estabelecer conexões com empresas ligadas à iluminação, desde lojas até fábricas, passando por arquitetos e light designers. A expectativa é colaborar para que saiam do mercado as opções de luminárias/lâmpadas excessivamente poluidoras, dando lugar a produtos e projetos de iluminação mais avançados tecnologicamente inclusive no sentido de fornecer luz artificial de modo sustentável.

Do ponto de vista econômico, a poluição luminosa representa desperdício de recursos financeiro. Apenas nos Estados Unidos, estima-se que 30% da energia utilizada para ambientes externos é desperdiçada ao ser direcionada acima da linha do horizonte, o que representa um gasto de cerca de 6,9 bilhões de dólares anualmente (GALLAWAY et al., 2010, p. 662).

Sistemas de iluminação devem ser pensados em todo o seu ciclo de vida, inclusive o descarte e a própria mineração de elementos utilizados na produção de diferentes elementos. Neste sentido, é preciso eliminar tanto quanto possível o uso de lâmpadas com mercúrio (no uso residencial, são as chamadas eletrônicas). Mesmo a tecnologia LED exige cuidado para o correto descarte e reciclagem de partes. Assim, é notório que cada ponto de iluminação deve ser pensado de modo a fazer incidir luz apenas sobre onde ela é necessária, durante o período de tempo em que ela é necessária e utilizando lâmpadas com temperatura de cor adequada para a situação, sem abusar de luzes frias que prejudicam o ciclo circadiano e são desnecessárias na maior parte dos casos de iluminação de ambientes noturnos (externos e internos).

A geração de energia elétrica no Brasil é a responsável pela emissão de cerca de 96 milhões de toneladas de CO2 por ano .  Da parcela de energia destinada à iluminação externa, pelo menos 30% é desperdiçado em sistemas ineficientes, direcionando a luz para o céu, criando iluminação ofuscante e/ou prejudicando o ciclo circadiano de plantas e animais. A utilização de sistemas de iluminação mais racionais colaborará no sentido de diminuir as emissões de CO2, um dos principais atores no aquecimento global. Sem modos de quantificar o uso da luz artificial em ambientes externos, temos poucas possibilidades de compreender o problema e pensar formas de minimizá-los. 

A biodiversidade marítima é severamente afetada pela poluição luminosa, não apenas pela iluminação das áreas costeiras, mas pela dos navios pesqueiros e plataformas petrolíferas em alto-mar. Além do comprometimento do ciclo circadiano (também presentes para a maioria das espécies que vivem na água) há a possibilidade de descontrole populacional de espécies que ficam mais vulneráveis aos seus predadores. Uma revisão pode ser encontrada em DEPLEDGE; GODARD-CODDING; BOWEN (2010). Como um exemplo específico foi recentemente observado que a reprodução do peixe-palhaço é comprometida pela exposição a luz artificial (FOBERT; BURKE DA SILVA; SWEARER, 2019). Este peixe já é altamente afetado pelas demandas comerciais incentivadas por um desenho de longa metragem popular.

No meio ambiente de maneira geral, a iluminação excessiva afeta os ciclos migratórios, alimentares e reprodutivos de diversas espécies de animais. Altera o período de floração de plantas, comprometendo o balanço natural na produção de frutos e de outros alimentos (por exemplo, ROWSE et al. 2016). Insetos são atraídos pelas fontes de luz artificial, prejudicando toda a cadeia alimentar e disseminando doenças onde antes elas não eram registradas (BARGHINI 2010, p. 115). Cerca de metade das espécies vivas no planeta possui hábitos noturnos e, obviamente, são fortemente comprometidas pela presença da luz artificial. As áreas preservadas do uso irracional da iluminação artificial são cada vez mais escassas no planeta. É preciso identifica-las e protege-las, assim como reverter a situação em áreas já muito afetadas.

Os indivíduos e as instituições públicas ou privadas só poderão agir de maneira consciente em relação ao tema da poluição luminosa se elas tiverem conhecimento de que o problema existe e possuir meios de monitorá-lo (por exemplo, HÖLKER et al. 2010). A quantificação da poluição luminosa é ferramenta fundamental para ajudar a conscientizar os diferentes públicos dos impactos negativos da iluminação artificial mal planejada em todos os aspectos da vida no Planeta (por exemplo, FALCHI et al. 2016).

Referências

BARGHINI, Alessandro. Antes que os vaga-lumes desapareçam ou influência da iluminação artificial sobre o meio ambiente. Annablume; FAPESP, São Paulo. 2010.

BARGHINI, A., DE MEDEIROS,  B.A.. Artificial lighting as a vector attractant and cause of disease diffusion. Environ Health Perspect. 2010;118(11):1503-1506. doi:10.1289/ehp.1002115

DEPLEDGE, Michael H., GODARD-CODDING, Céline A.J., BOWEN, Robert E., Light pollution in the sea, Marine Pollution Bulletin, Volume 60, Issue 9, 2010, p. 1383-1385, ISSN 0025-326X, https://doi.org/10.1016/j.marpolbul.2010.08.002 

FALCHI, Fabio; CINZANO, Pierantonio; DURISCOE, Dan; KYBA, Christopher C.M.; ELVIDGE, Christopher, D.; BAUGH, Kimberly; PORTNOV, Boris A., RYBNIKOVA, Natalya A., FURGONI, R.. The new world atlas of artificial night sky brightness. Science Advances, v. 2, n. 6, p. 1-25. 2016.

FOBERT, Emily K.; BURKE DA SILVA, Karen; SWEARER, Stephen E. 2019. Artificial light at night causes reproductive failure in clownfish. Biol. Lett.1520190272 http://doi.org/10.1098/rsbl.2019.0272

GALLAWAY, T.; OLSEN, R. N.; MITCHELL, D. M.. The economics of global light pollution. Ecol. Econ. 69, p. 658–665. 2010.

HÖLKER, F., MOSS, T., GRIEFAHN, B., et al.. 2010. The dark side of light: a transdisciplinary research agenda for light pollution policy. Ecology and Society 15(4): 13. [online] URL: http://www.ecologyandsociety.org/vol15/iss4/art13/

KHAN, Z.A., YUMNAMCHA, T., MONDAL, G., DEVI, S.D., RAJIV, C., LABALA, R.K., SANJITA DEVI, H., CHATTORAJ, A.. 2020. Artificial Light at Night (ALAN): A Potential Anthropogenic Component for theCOVID-19 and HCoVs Outbreak. Front. Endocrinol. 11:622.doi: 10.3389/fendo.2020.00622

STEVENS, R. G.; BLASK, D. E.; BRAINARD, G. C.; HANSEN, J.; LOCKLEY, S. W.; PROVENCIO, I.; REA, M. S.; REINLIB, L.. Meeting report: The role of environmental lighting and circadian disruption in cancer and other diseases. Environ. Health Perspect. 115, p. 1357–1362. 2007. 

ROWSE, E.G.; LEWANZIK, D.; STONE, E.L.; HARRIS, S.; JONES, G. (2016) Dark Matters: The Effects of Artificial Lighting on Bats. In: Voigt C., Kingston T. (eds) Bats in the Anthropocene: Conservation of Bats in a Changing World. Springer, Cham. https://doi.org/10.1007/978-3-319-25220-9_7